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terça-feira, 18 de novembro de 2014

Experiência, diferença e formação - palestra de Carlos Skliar em Salvador

Transcrevo abaixo as anotações da:
Conferência de abertura – III INFORMACCE – Salvador/BA - UFBA
Experiência, diferença e formação

Carlos Skliar – Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais / Argentina

Eu queria começar, disse Skliar, com uma preocupação que tem a ver com o que muitos de nós poderíamos chamar de depreciação da escola pública. Ou de uma crítica de alguns intelectuais que estão esperando novos governos para inserir seu discurso.

Tenho lidos nos jornais uma forma de crítica da escola pública que eu ouço como uma crítica ao público, à natureza pública da escola. Essa crítica geralmente acontece com 3 comentários: tem alguma coisa errada com o público; o público é tradicional e o tradicional está ligado com o passado.
Quase que o sintoma da crítica aparece nesse caráter público, tradicional, do passado. Eu odeio aquela frase que diz que temos escola do século XIX, professores do século XX e alunos do século XXI.

Ele citou Jacques Derrida para dizer que todos nós habitamos todos os tempos.

A crítica massacra o caráter contemporâneo que a escola tem que ter. Nossa preocupação como educador é com o contemporâneo.
Eu defendo o público, disse Skliar. Mas minha pergunta aqui é a pergunta do momento: em qual linguagem eu vou assumir essa defesa?
Tenho a sensação que a linguagem da Educação, se algo assim existe, não é a linguagem técnica, não é  a linguagem econômica, não é a linguagem política. A questão é a LINGUAGEM. Em qual linguagem a gente vai conversar sobre Educação?

Estamos em um momento que temos de tomar a decisão sobre qual linguagem a gente vai conversar a Educação.

É a pátria dos afetos.

Educar faz parte dos afetos. Mas afeto também pode ser superficial, banal. A gente escolhe afetar, ou afeição, porque implica uma relação de “eu te afeto e me sinto afetado”. Quer dizer uma relação recíproca. Totalmente diferente de “eu te tolero, eu te respeito”.

Tem dois limites muitos claros em relação ao outro. O limite de um é o corpo do outro. Você não pode ultrapassar, violentar o corpo do outro. É claro que a gente vive uma época em que não tem esse limite. Eu posso tocar, mas não devo ultrapassar o corpo do outro.
O segundo limite é que o outro continua sendo o outro. Jamais a gente pode pensar em afeição na qual o  outro precisa deixar de ser o outro, em nome da inclusão.
Cada vez que o outro precisa tentar ser equivalente, não tem afeição. Tem domínio, tem poder, mas não tem afeição.

Hannah Arendt dizia que educar tem a ver com amar suficientemente o mundo para que não deixemos o mundo se acabar.
Na pergunta da Arendt: quem ama o mundo suficiente para não deixar que ele se acabe?
Educação tem a ver com pensar em como deixar que o mundo continue.
A segunda questão que nos deixou Hannah Arendt é se amamos suficientemente o outro para não deixá-los soltos ou à própria sorte.

Eu vou propor um pentagrama: são cinco movimentos que acontecem ao mesmo tempo para responder à pergunta inicial de porque o público é criticado. Vou tentar responder essa pergunta com a segunda que é através de qual linguagem fazer essa defesa.
Se o professor pudesse me escutar, eu queria propor ao professor se pensar em cinco movimentos. Nenhum deles é técnico, político, econômico. Todos são de outra natureza.

Eu tenho que dizer primeiro, em função da linearidade da fala. Mas não tem ordem.
Vou começar por um movimento que é evidente. Preciso começar pela IGUALDADE, ainda que minha fala seja sobre a diferença. Por que começar pela igualdade? Porque o educador é um igualador em primeiro lugar.  No sentido de estar frente a um grupo  e considerar a todos iguais. Não idênticos, não equivalentes, mas no sentido de COMO QUALQUER UM.

O educador precisa pensar seu encontro com os outros como um encontro com qualquer um. A expressão qualquer parece pejorativa. Mas quando recorremos ao caso de pessoas que passaram por instituições especiais, e elas são perguntadas de como gostariam de ser tratadas, elas usam a palavra qualquer. “Eu queria ser tratado como qualquer um”. Esse igual não pode ser colocado como uma promessa.

A igualdade ou é um amor à primeira vista, ou não é. Eu chego a um lugar e te reconheço, sem precisar de apresentações ou representações.
Tem olhares que mancham, tem olhares que matam. Nietzsche diz que tem homens que mancham com seu olhar. Não tem pessoas manchadas, tem olhos sujos.
Quando o olho vê de forma turva, já existe uma morte. O educador vê com esse olhar de igualdade, para não manchar nem matar o outro.
O professor igualador é aquele que não mancha nem mata com o seu olhar.
Estar à mesma altura, valer a pena, deixar em paz. São as frases mais ditas no interior das instituições educativas.
Se a gente sente que não está à altura, a sensação é de humilhação.
As coisas mais interessantes da vida são aquelas que valem a pena. Se eu te convido a ler, não é para estar à mesma altura, mas para que possa valer a pena para você.
Valer a pena e deixar em paz é o gesto mais igualitário da educação.

O segundo movimento. Lembrando que não é uma sequência de movimentos.
Ele seria a separação ou a distância entre o ato de ensinar e o ato de aprender.
A gente assume a responsabilidade de ensinar e o outro assume a responsabilidade de aprender. Na sua raiz, “in-signar” significa oferecer signo aos outros. Ensinar não é avaliar.
Dar esse mundo ao outro não significa pedir o mundo de volta. Não existe dívida nenhuma. A nossa responsabilidade está em oferecer.
Oferecer signos como sinais da cultura que o outro decifrará ao seu tempo e o seu modo. Me parece fantástica essa ideia, porque ensinamos hoje e não sabemos quando e o quê se aprende.
A segunda imagem é o doador de tempo. Você deve oferecer tempo ao outro, para que ele possa decifrar no seu tempo. Por isso a gente não pode unir no mesmo tempo ensinar e aprender. Porque aprender tem a ver com a fragilidade.
A gente pode pensar que o que o aluno me devolveu, naquele momento é o devolvido e não o aprendido. Nesse sentido, no lugar da avaliação, a gente deveria ter uma ficha de devolução.
O aluno devolve porque o sistema pede.

Terceiro movimento. O tempo.
É você que tem que decidir se vai educar com o tempo livre ou com o tempo do trabalho. A criança sai da escola com a sensação que trabalhou.
A gente tem que discutir também se o tempo da escola é o tempo da vida. Como diz George Steiner, a escola não é um lugar para parar. A escola muda a relação com o tempo.
Há uma relação direta, terrível entre termo e norma ou normalidade. Se você não tem tempo você julga o outro, se você tem tempo você conversa com o outro. Se você não tem tempo na escola você avalia a outro, controla o outro.
O tempo faz parte de uma Política (maiúscula) da escola.

O quarto movimento é pensar o quando imaginamos as pedagogias sempre cronologicamente. Cada vez que pensamos em dar sinais ao mundo, colocamos em uma linha do tempo. O que não faz sentido vai fazer mais adiante, isso que você não sabe hoje ainda vai saber, e por aí vai.
Esse quarto movimento eu chamo de Pedagogia do instante. Não que eu ache que o que interessa é o aqui e agora. Os poetas, por exemplo, sabem durar o tempo.
Temos de pensar no que acontece aqui e agora. Não mais na promessa do sentido. Dar sentido agora, nesse tempo.

Por último, o quinto movimento. Nada de tudo isso valeria a pena: igualdade primeira, fragilidade do aprender, gosto pelo tempo livre, se a gente não pensar na paixão pela SINGULARIDADE.
A diferença não é o reflexo negativo de um ou outro. Mas a paixão pelas vidas alheias, que todo educador tem de sentir.
Adorar as vidas dos outros. Essa paixão pela singularidade fecha o pentagrama.